quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Um conto de Natal



A Pequena Vendedora de Fósforos

Por Hans Christian Andersen

Que frio tão atroz! Caía a neve, e a noite vinha por cima. Era noite de Natal. No meio do frio e da escuridão, uma pobre menina passou pela rua com a cabeça e os pés descobertos.

É verdade que tinha sapatos quando saíra de casa; mas não lhe serviram por muito tempo. Eram uns chinelos enormes que sua mãe já havia usado: tão grandes, que a menina os perdeu quando atravessou a rua correndo, para que as carruagens que iam em direções opostas não lhe atropelassem.

A menina caminhava, pois, com os pezinhos descalços, que estavam vermelhos e azuis de frio. Levava no avental algumas dúzias de caixas de fósforos e tinha na mão uma delas como amostra. Foi um péssimo dia: nenhum comprador havia aparecido, e, por consequência, a menina não havia ganho nem um centavo. Tinha muita fome, muito frio e um aspecto miserável. Pobre menina! Os flocos de neve caíam sobre seus longos cabelos loiros, que se esparramavam em lindos caracóis sobre o pescoço; porém, não pensava nos seus cabelos. Via a agitação das luzes através das janelas; sentia o cheiro dos assados por todas as partes. Era noite de Natal, e nesta festa pensava a infeliz menina.

Sentou-se em uma pracinha, e se acomodou em um cantinho entre duas
casas. O frio se apoderava dela, e inchava seus membros; mas não se atrevia a aparecer em sua casa; voltava com todos os fósforos e sem nenhuma moeda. Sua madrasta a maltrataria, e, além disso, na sua casa também fazia muito frio. Viviam debaixo do telhado, a casa não tinha teto, e o vento ali soprava com fúria, mesmo que as aberturas maiores haviam sido cobertas com palha e trapos velhos. Suas mãozinhas estavam quase duras de frio. Ah! Quanto prazer lhe causaria esquentar-se com um fósforo! Se ela se atrevesse a tirar só um da caixa, riscaria na parede e aqueceria os dedos! Tirou um! Rich! Como iluminava e como esquentava! Tinha uma chama clara e quente, como de uma velinha, quando a rodeou com sua mão. Que luz tão bonita! A menina acreditava que estava sentada em uma chaminé de ferro, enfeitada com bolas e coberta com uma capa de latão reluzente.Luzia o fogo ali de uma forma tão linda! Esquentava tão bem!

Mas tudo acaba no mundo. A menina estendeu seus pezinhos para esquentá-los também, mas a chama se apagou: não havia nada mais em sua mão além de um pedacinho de fósforo. Riscou outro, que acendeu e brilhou como o primeiro; e ali onde a luz caiu sobre a parede, fez-se tão transparente como uma gaze. A menina imaginou ver um salão, onde a mesa estava coberta por uma toalha branca resplandecente
com finas porcelanas, e sobre a qual um peru assado e recheado de trufas exalava um cheiro delicioso. Oh, surpresa! Oh, felicidade! Logo teve a ilusão de que a ave saltava de seu prato para o chão, com o garfo e a faca cravados no peito, e rodava até chegar a seus pezinhos. Mas o segundo fósforo apagou-se, e ela não viu diante de si nada mais que a parede impenetrável e fria.

Acendeu um novo fósforo. Acreditou, então, que estava sentada perto de um magnífico presépio: era mais bonito e maior que todos os que havia visto aqueles dias nas vitrines das mais rica lojas. Mil luzes ardiam nas arvorezinhas; os pastores e pastoras pareciam começar a sorrir para a menina. Esta, embelezada, levantou então as duas mãos, e o fósforo se apagou. Todas as luzes do presépio se foram, e ela compreendeu, então, que não eram nada além de estrelas. Uma delas passou traçando uma linha de fogo no céu.

Isto quer dizer que alguém morreu — pensou a menina; porque sua vovozinha, que era a única que havia sido boa com ela, mas que já não estava viva, havia lhe dito muitas vezes: "Quando cai uma estrela, é que uma alma sobe para o trono de Deus".

A menina ainda riscou outro fósforo na parede, e imaginou ver uma grande

luz, no meio da qual estava sua avó em pé, e com um aspecto sublime e radiante.


— Vovozinha! — gritou a menina. — Leve-me com você! Quando o fósforo se apagar, eu sei bem que não lhe verei mais! Você desaparecerá como a chaminé de ferro, como o peru assado e como o formoso nascimento! 

Depois se atreveu a riscar o resto da caixa, porque queria conservar a ilusão de que via sua avó, e os fósforos lhe abriram uma claridade vivíssima. Nunca a avó lhe havia parecido tão grande nem tão bonita. Pegou a menina nos braços, e as duas subiram no meio da luz até um lugar tão alto, que ali não fazia frio, nem se sentia fome, nem tristeza: até o trono de Deus.

Quando raiou o dia seguinte, a menina continuava sentada entre as duas casas, com as bochechas vermelhas e um sorriso nos lábios. Morta, morta de frio na noite de Natal! O sol iluminou aquele terno ser, sentado ali com as caixas de fósforos, das quais uma havia sido riscada por completo.

— Queria esquentar-se, a pobrezinha! — disse alguém.

Mas ninguém podia saber as coisas lindas que havia visto, nem em meio de que esplendor havia entrado com sua idosa avó no reino dos céus.

Li esse conto pouco tempo depois que fui alfabetizada. Descobri que tinha em casa vários tesouros que se chamavam livros. Isso foi há muito tempo. No tempo em que meus Natais eram felizes. 
Hoje me sinto como a menina dos fósforos. Natal só de ilusões fabricadas pelas lembranças de quando eu criança, brincava de ser feliz entre as faíscas mágicas da esperança.(Penélope Freitas)

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